A História do Contrabaixo Pt. II [Especial]

Som: A Segunda Parte Da Equação. A primeira parte da equação - a criação do Precision Bass - tornou-se realidade com a criação do Precision Bass. Era leve, fácil de tocar e tinha afinação precisa em virtude dos trastes. Faltava-lhe, entretanto, um item, ausente também no grande contrabaixo acústico: a sonoridade.

Entender a denominação dos primeiros contrabaixos é crucial para que se aprenda a identificar as diversas categorias que hoje existem em nosso mundo dos graves. Primeiramente, vamos dividir o instrumento nas categorias vertical e horizontal.

O contrabaixo acústico (Double Bass) é o primeiro exemplo (e o mais antigo) de um instrumento vertical. O outro instrumento na qual poderíamos denominar de vertical também é conhecido como Upright bass. A diferença é que este instrumento é eletrificado por um sistema de captação das sonoridades das cordas, não possuindo, portanto, uma caixa de ressonância similar ao seu irmão acústico. O Upright possui, entretanto, o mesmo tamanho da escala.

A seguir, vem a categoria na qual poderemos denominar de horizontal. Nosso baixo elétrico (electric bass) é o melhor exemplo que se pode indicar. Sem os sistemas de captação, o mesmo instrumento é chamado de baixo acústico (acoustic bass guitar). Na língua portuguesa não há expressão equivalente para o Upright, Para poder compreender esta nova revolução - uma máquina em que fosse possível amplificar o sinal - é preciso recuar no tempo, mais precisamente até os anos 30, quando os primeiros experimentos com amplificação tiveram início.

O tamanho do “gigante” já incomodava inúmeros observadores naquela época, muito por conta da sua baixa sonoridade - conforme vimos na matéria anterior. A primeira solução foi tentar reduzir o volume da caixa de ressonância acústica. A grande questão era que, se o contrabaixo acústico já possuía problemas de expansão sonora, uma eventual diminuição desta peça implicaria em inventar outra forma de expandir o sinal.

Os Primeiros Passos

Apesar de várias companhias na época terem elaborado diferentes soluções, a Regal Company, situada em Chicago foi uma das primeiras a destacar-se com seu modelo de Upright Bass (figura 1). Com o nome de Electrified Double bass, a propaganda alardeava que este equipamento era “o sonho de um baixista”. Pois era leve, portátil e tinha a mesma escala do gigante. Poderia ser tocado com arcos, dedos ou “slappado”, termo que era usado para a técnica de ragtime. O anúncio ainda mencionava um amplificador com altos falantes especiais, que poderiam reproduzir o verdadeiro som do contrabaixo.

A Regal foi uma das primeiras empresas a testar o conceito de equipamento de som (electric pick up). O instrumento tinha um knob de volume acoplado em seu corpo. O Upright da Regal teve um relativo sucesso de vendas limitando-se a Chicago, capital e outras cidades do interior de Illinois. Um dos modelos mais famosos foi construído pela Rickenbaker em 1936, desenhado por George Beauchamp. Denominado de Eletro-Bass-Violone, foi concebido uma única peça de metal, dotado de um captador magnético da própria marca (que tinha o carinhoso apelido de “pata de cavalo” - horse shoe - em virtude do seu tamanho). O interessante é que esta peça era acoplada diretamente no topo do amplificador (figura 2).
O som deste singular instrumento pode ser conferido em uma gravação realizada em 1929 pela Columbia Records com Henry Allen & His Orchestra, “Feeling Drowsy”. Talvez esta música não tenha se tornado um hit, mas os especialistas apontam que ela foi provavelmente à primeira gravação de um baixo com sinal amplificado.

Outro instrumento que, por seu ousado design, merece ser destacado é a Vegas Electric Bass (figura 3), construído em seis partes de madeira diferente. O braço e a escala possuíam tipos distintos de regulagem. Dois knobs (um de volume e outro de tonalidade) foram instalados do lado do braço do instrumento. O Vega ainda possuía um tripé para oferecer sustentação quando executado, com vários níveis de altura e uma escala apta a receber qualquer tipo de corda (as primeiras de contrabaixo acústico eram feitas de tripa de carneiro, passando posteriormente a ser fabricada de metal).

O equipamento ainda vinha com um amplificador de 18 watts que tinha uma borracha especial para evitar vibrações originadas de freqüências mais graves.

O Pioneiro Tutmarc

Em 1941, os Estados Unidos estavam na segunda guerra mundial. Por esse motivo, todas as pesquisas e o desenvolvimento de novos instrumentos ficaram momentaneamente paralisados em virtude disso. Aconteceu então a grande volta do contrabaixo acústico - é bom lembrar que estamos tratando da origem do sinal amplificado. Leo Fender concedeu o Precision Bass em 1951 como um instrumento que dependia de um sistema de amplificação para expandir o envio de sinal.

Então, no começo dos anos 30, um guitarrista chamado Paul H. Tutmarc construiu um Upright vertical com captador magnético em sua empresa, a Audiovox Manufacturing, localizada em Seattle. Embora esse instrumento nunca tenha sido produzido em escala industrial, representou um importante passo para o projeto ainda mais radical. Em 1935, Tutmarc teve uma brilhante idéia: construir algo mais leve, que pudesse substituir o Upright construído anteriormente. “Por que não construir um pequeno baixo elétrico que pudesse ser tocado de forma horizontal, como uma guitarra?”, raciocinou o guitarrista. Este conceito tornou-se realidade por meio de um modelo Audivox 736 Electronic Bass (figura 4).

Tratava-se de um instrumento com corpo sólido, trasteado, quatro cordas e equipado com um captador magnético, capaz de gerar som sem o auxílio de um amplificador independente. Ele tinha ainda um escudo feito de plástico e ponte de metal. A madeira usada era a mesma da produção do Upright. Seu preço: US$65. Os historiadores estimam que por volta de 100 modelos similares fossem fabricados, sendo a sua aceitação delimitada a área de Seattle. E ai surge uma grande questão: Leo Fender sabia da existência do Audiovox 736 antes de iniciar a construção do seu lendário Precision?

Em um artigo publicado na Vintage Guitar Magazine, John Teagle especula sobre este fato com Richard R. Smith, autor do livro Fender: The Sound Heard’s Round the World. Smith fez muitas entrevistas com Leo Fender e, em nenhuma delas, o lendário inventor referiu-se ao projeto Audiovox. O próprio Teagle afirma: “Em nenhum momento, Leo mencionou esse instrumento. Ele e Don (Don Randall - sócio de Leo na Fender Company) tinham conhecimento do Rickenbaker Electro e do Gibson Mando Bass. Estou convencido que tais invenções ocorreram em uma linha quase paralela de evolução, em épocas diferentes da história. O Audiovox era uma boa idéia, mas muito avançado para a época”.

O sinal do Precision Bass precisava ser amplificado a partir do início do ano de 1952, quando os primeiros modelos saíram da fábrica. Assim Fender também criou um artefato na qual pudesse amplificar o sinal.

Trata-se de um amplificador Fender Bassman, especialmente desenhado para amplificar o som do contrabaixo. Ele possuía um alto-falante Jensen de 15 polegadas e 26 w de potência. Infelizmente, pouquíssimas pessoas tiveram a honra de ouvir um Precision Bass plugado em uma máquina dessas. O designer Rich Lasner foi um desses iluminados. “Toquei em um Precision acoplado em um Bassman com médio volume e fiquei prestando muita atenção ao que ouvia. Era realmente um som de contrabaixo acústico.

Entusiasmo, preconceito ou simplesmente medo do novo? Sem contar com a mídia a seu favor, Leo Fender começou a divulgar seu novo invento junto a pessoas e lugares que poderiam ser interessar pelo Precision Bass. Foram os primeiros passos que iriam mudar, em definitivo, o futuro da música em nosso planeta.

Estamos em 1952. Local: um bar em Nashville, no Tennessee. Já naquela época, a música country era a preferida em muitos lugares. De repente, um respeitável senhor entrou com um estranho instrumento na mão. Os freqüentadores comentaram:

- Parece uma guitarra, mas é maior!

- Aquele não é Leo Fender, o cara que inventou a guitarra elétrica?

- É ele mesmo. E eu ouvi dizer que agora ele esta com uma nova invenção: um baixo elétrico! Imagine! Até que ele teve uma boa idéia quando vez a guitarra elétrica. Mas um baixo elétrico? Este cara enlouqueceu!

Salvo raras exceções, estes eram os comentários que nosso herói ouvia por onde quer que levasse o seu pioneiro Precision Bass - um instrumento estranho na época para a maioria das pessoas e músicos - pois era menor (que o baixo acústico), mais leve e que ainda emitia as notas com maior sonoridade e precisão em virtude da presença dos trastes pelo fato de ser amplificado.

Eram tempos difíceis para o lendário inventor. Não se esqueçam que a guitarra elétrica ainda estava em sua infância. Apesar de ter uma grande aceitação pelos músicos da época, era algo totalmente novo, e como tudo que é novidade neste mundo, os puristas de plantão já apareciam com um monte de críticas. Muitas delas, inclusive sem o menor sentido.

No início dos anos 50, o Marketing para um produto como o Precision Bass eram totalmente inviável devido aos custos proibitivos e também por um segmento de mercado que praticamente ainda não existia. Panfletos e pequenos anúncios em revistas e jornais especializados em música foram úteis (além de reduzir os custos). A figura 1 ilustra um dos primeiros prospectos com a figura do Precision Bass junto ao nosso conhecido amplificador Bass Man.

E a solução então foi entrar com a cara e a coragem nos lugares onde os baixistas pudessem conhecer sua nova invenção como gravadora, clubes, shows e bares, mas com uma pequena observação imposta pelo próprio Leo: que todos os locais visitados tocassem música country, a preferida pelo lendário inventor.

O início não foi muito promissor, já que muitos poucos baixistas se interessaram pela novidade. Uma exceção foi Joel Price, que comprou o primeiro P Bass e o levou para tocar em na Orquestra Grand Ole Opry, no final de 1952.

Os argumentos mais comuns que os baixistas que executavam o grande gigante era que o instrumento de Fender, apesar de mais leve, não tinha uma sonoridade satisfatória (principalmente nos médios). Além do mais, por ser um instrumento completamente diferente do baixo acústico, a técnica de execução teria que sofrer diversas mudanças, que não eram aceitas pelos músicos, seja por comodismo ou - novamente - pelo medo do novo.

No entanto, o avanço mais promissor, por um capricho do destino, não aconteceu entre os músicos que executavam o estilo do qual Fender tanto gostava. O jazz foi a porta de entrada para o revolucionário instrumento. No final de 1952, Leo conheceu o vibrafonista e bandleader Lionel Hampton (figura 2).

O músico teve um interesse imediato no novo instrumento e solicitou ao baixista Roy Johnson que o incorporasse à banda. O próprio baixista nos conta como tudo aquilo conheceu:

- Fiquei muito curioso com a nova invenção de Leo. No decorrer dos ensaios, notei que muitas pessoas estavam prestando uma atenção maior do que o usual não apenas no novo instrumento, mas também pela sonoridade que ele produzia. A superioridade sonora sobre o grande gigante era evidente!

Em 30 de julho de 1952, o jornalista Leonard Fasther, da revista Down Beat, publicou uma reportagem com um fato ocorrido durante a ‘gig’ de Lionel Hampton. A reportagem mencionava que todos os presentes estavam surpresos, pois alguma coisa estava soando de forma diferente: “As pessoas perguntavam onde estava o baixista? Ele não estava lá, mas todos podiam ouvir o som do instrumento”. Teve gente que ficou pasma ao pensar que havia dois guitarristas. Um olhar mais atento revelava que o novo instrumento não tinha seis, mas apenas quatro cordas, além de ter um formato um pouco maior que a guitarra tradicional.

Finalmente, o quadro se completou: o baixista estava tocando algo completamente revolucionário! A dramática mudança que o reforço dos graves proporcionou à banda, sonoridade, novas timbragens, possibilidades de experimentar novos moldes harmônicos, melódicos e rítmicos, sem falar na repercussão favorável da mídia na época, fizeram com que Hampton decidisse incorporar de forma definitiva o baixo elétrico em seu trabalho. Todos estes personagens, mais algumas centenas de baixistas, estavam mudando, sem saber, o curso da história da música.

O jazz ainda ajudou o Precision Bass por meio da figura do baixista Shifte Henry (figura 3) que trabalhava em Nova York em diversos grupos. O músico não apenas aprovou o primeiro baixo elétrico da história, como também foi seu primeiro endorser.

Apesar do relativo sucesso obtido no meio jazzístico, o lendário Precision conseguiu finalmente atingir a sua merecida fama em outro segmento, no qual o velho inventor jamais sonhou que aconteceria: o Rock n’ Roll.




Por Nilton Wood